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Lúcia Veríssimo conta em filme a história dos Cariocas, grupo de seu pai

Lúcia Veríssimo conta em filme a história dos Cariocas, grupo de seu pai Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/lucia-verissimo-conta-em-filme-historia-dos-cariocas-grupo-de-seu-pai-21220470#ixzz4ebbr1mAu © 1996 - 2017. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.

Um grupo vocal como nenhum outro, que iniciou suas atividades ainda na era de ouro do rádio, passou com louvor pela bossa nova e renasceu no fim dos anos 1980, com lugar cativo nos palcos e boa parte da MPB a reverenciá-lo. A longa – e pouco conhecida – história d’Os Cariocas é enfim contada no cinema em “Eu, meu pai e Os Cariocas – 70 anos de música no Brasil”, escrito e dirigido pela atriz Lúcia Veríssimo, que abre o festival de documentários É Tudo Verdade nesta quarta-feira, com sessão às 20h30m, no Espaço Itaú de Cinema. Alguns logo entenderão a opção de Lúcia por estrear na direção justamente com este filme: ela é filha de Severino Filho (1928-2016) e sobrinha de Ismael Netto (1925-1956), fundadores dos Cariocas.

— Os Cariocas eram um conjunto familiar, que nasceu na casa dos meus avós. Depois, até minha tia (Hortensia Silva) entrou (brevemente, após a morte precoce de Ismael, aos 30 anos de idade). Sempre quis fazer um levamento dessa história, só não imaginava que fosse fazer em forma de filme — conta ela, que foi convencida por uma amiga a investir num filme e não num livro. — Me dá muita tristeza a falta de memória do Brasil, é inadmissível que se projete o amanhã sem o ontem. O país não tem memória e nem educação, ninguém lê e ainda tem quem se orgulhe disso. Não queria escrever mais um livro sobre Os Cariocas para ficar na estante. Sei que os documentários ainda têm pouca penetração no Brasil, mas a coisa está melhorando.

CHICO, BETHÂNIA, GIL, CAETANO…

Um dos músicos mais brilhantes de sua geração, que criou arranjos vocais revolucionários e compôs pelo menos um clássico da música brasileira (a “Valsa de uma cidade”, com Antonio Maria), Ismael fundou Os Cariocas com Severino ainda bem jovem, em 1942. As elaboradas harmonias do grupo e as vozes afinadas de seus integrantes logo fizeram-no destacar-se em meio ao elenco da Rádio Nacional.

Com a morte do irmão, Severino assumiu não só a primeira voz do grupo como a posição de arranjador (tornou-se maestro aos 19 anos, depois de estudar com o musicólogo alemão Hans-Joachim Koellreuter) e toda a direção musical d’Os Cariocas. Quando a bossa nova chegou, o grupo já estava pronto para abraçá-la, gravando com toda a modernidade a canção “Rio”, de um jovem Roberto Menescal com o jornalista Ronaldo Bôscoli.

Chico Buarque, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gal Costa… muitos são os grandes astros da MPB que dão seus depoimentos no filme, ao lado de sobreviventes da era do rádio como Cauby Peixoto (falecido em maio do ano passado) e Angela Maria. Desde que começou o filme, três anos atrás, Lúcia Veríssimo enfrentou uma corrida contra o tempo para fazer “Os Cariocas” – o próprio Severino Filho não chegou a ver o filme pronto.

— Foi um doc de baixíssimo custo que, ainda assim, não teria saído se eu não tivesse enfiado a mão no bolso e se não tivesse parte do equipamento de filmagem — diz a atriz, que estreia como diretora e como roteirista no longa. — Tive que esperar quase um ano até que o projeto fosse aprovado na Ancine e mais quatro meses para que o dinheiro saísse, o que só aconteceu um mês depois que o meu pai morreu (em 1° de março do ano passado, aos 88 anos, depois de enfrentar um trombose pulmonar).

A primeira entrevista do filme foi em 2014, com Badeco, integrante da formação mais clássica do grupo, e que Severino considerava a melhor voz dos Cariocas. O cantor já enfrentava problemas de saúde, e morreria em outubro daquele ano.

— Badeco era o melhor amigo do papai, os dois se falavam todo dia — diz Lúcia que, depois da morte de Severino, resolveu não permitir que o nome do grupo fosse utilizado pelos integrantes remanescentes. — Os Cariocas são um conjunto familiar, registrado em nome do meu pai e, agora, no meu. Meu tio e ele foram inovadores, eles criaram aquilo. Se quisesse, meu pai teria passado o nome a qualquer outra pessoa.

Neil Teixeira, Eloi Vicente e Fábio Luna seguem agora com Leandro Freixo como o Quarteto do Rio, e em junho lançam seu primeiro álbum, “Mr. Bossa Nova”, junto com Roberto Menescal. Sem mágoas, segundo garante Neil (que passou 21 anos nos Cariocas):

‘Depois de 1968, ele ficou numa tristeza profunda. Papai era muito introspectivo, não falava quase nada, e ficava se remoendo por dentro. Ele sempre foi um cara de esquerda, que lia muito’

– LÚCIA VERÍSSIMOSobre o hiato do grupo após o AI-5
— Aprendemos tudo o que sabemos com o Severino. E ele sabia que nós queríamos continuar cantando juntos.

Uma história pouco comentada acerca d’Os Cariocas, e que o filme ressalta, é o hiato do grupo entre 1968 e 1988, por decisão de Severino Filho, que sentira o baque político do AI-5.

— Nos quatro primeiros anos da ditadura militar, ainda não tinha caído a ficha dele, todo mundo ainda estava embalado pelo som da bossa nova — conta Lúcia. — Depois de 1968, ele ficou numa tristeza profunda. Papai era muito introspectivo, não falava quase nada, e ficava se remoendo por dentro. Ele sempre foi um cara de esquerda, que lia muito.

A atriz lamenta que os Cariocas não tenham tido a mesma sorte de outros artistas da bossa.

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— O Tom Jobim e o João Gilberto foram para o exterior na mesma época em que eles e por lá permaneceram. O grande problema do meu pai foi ter voltado, foi uma besteira dele — acredita.

Nos anos 1970 e 80, Severino Filho sobreviveu como compositor de trilhas para TV e cinema e como arranjador. Martinho da Vila conta, no filme, a notável história por trás do arranjo que o carioca fez para a sua “Disritmia”.

— O Martinho me contou um monte de outras, algumas que eu nem conhecia, mas só pude botar essa, porque o filme precisava ter 1h40m, precisei cortar muita coisa — diz Lúcia, que agora pensa em levar o filme para festivais de cinema no exterior e que vislumbra novos tempos para a sua carreira. — Fui fazendo uma novela atrás da outra e acabei abandonando o teatro. Quando me afastei da TV, fiz a peça “Usufruto” (ela escreveu, José Possi Neto dirigiu), que foi muito bem durante cinco anos. Agora vou adaptá-la para o cinema, mas não vou atuar no filme, vou apenas ficar na direção.

SILVIO ESSINGER

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