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Organismos anticorrupção e a hegemonia dos Estados Unidos na América Central

Querem a hegemonia nas Américas

Investigações criminais envolvendo presidentes vêm se mostrando um elemento político de primeira importância para a estabilidade de governos latino-americanos nos últimos anos. Entre 2014 e 2015, Argentina (caso Nisman), Bolívia (caso Fondo Indígena), Brasil (operação Lavo-Jato), Chile (caso Caval), El Salvador (processo contra Ernesto Funes), Guatemala (caso La Linea), Honduras (movimento da “oposición indignada”), México (caso Casa Blanca) e Panamá (processo contra Ricardo Martinelli) foram exemplos onde se viram denúncias contra líderes do Executivo inflamarem o sistema político.

O caso da Guatemala merece atenção especial por ter produzido o resultado extremo de derrubar o presidente em exercício e por ter envolvido cálculos geopolíticos importantes.

Teve início a partir de denúncias levantadas por uma organização internacional chamada “Comisión Internacional contra la Impunidad en Guatemala” (CICIG), criada em 2006 através de uma parceria entre a Guatemala e a ONU. Apesar de estar formalmente vinculado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o órgão é financiado com contribuições voluntárias de quaisquer países.

Os Estados Unidos já repassaram à instituição cerca de US$ 36 milhões desde 2008 (POCASANGRE, 2016).

Inicialmente programado para durar até 2009, o mandato de funcionamento da CICIG foi sendo renovado a cada dois anos. Surgiu com a função oficial de auxiliar a polícia e o Ministério Público a investigar “corpos ilegais e aparatos clandestinos de segurança”, denominação dada a milícias envolvidas com crime organizado e repressão contra quem denuncia violações de direitos humanos cometidas pelo Exército durante a guerra civil de 1960-1996.

Agentes públicos com suspeita de estarem envolvidos com as milícias podem ser investigados. As denúncias são encaminhados à Justiça guatemalteca. O organismo também tem a prerrogativa de propor alterações em leis nacionais que se relacionam com o crime organizado, como corrupção e migração forçada de pessoas.

Em abril de 2015, a CICIG revelou uma investigação envolvendo o presidente do país, Otto Pérez Molina, um ex-militar atuante na guerra civil e filiado ao conservador Partido Patriota. A denúncia, contudo, não envolvia nenhuma ação de milícias paramilitares.

No caso que ficou conhecido como “La Línea”, Molina foi acusado de ser o líder de um grupo de agentes públicos que desviava recursos de aduanas. O caso foi descoberto a partir da interceptação de telefonemas de um empresário chinês envolvido no esquema (LUHNOW, 2015).

Nos meses seguintes à acusação, protestos de massa passaram a pedir a saída do presidente. Em setembro, o Congresso lhe retirou direitos políticos, que levaram à sua renúncia e posterior prisão preventiva enquanto aguardasse julgamento.

Molina estava no poder desde 2012. Ao longo do seu mandato, adotou posições nacionalistas que contrariam preferências dos Estados Unidos, como defender a legalização das drogas, reconhecer o Estado palestino e não querer renovar o mandato da CICIG. Nas eleições que se seguiram à sua queda, o ganhador foi Jimmy Morales, um comediante de televisão e político inexperiente que se apresentou na campanha como uma figura anticorrupção.

Seu partido, Frente de Convergência Nacional, é financeiramente ligado a um grupo de militares atuantes na guerra civil (MOLINA, 2016) e assume posições mais próximas aos Estados Unidos, como o enfrentamento militar às drogas e a continuidade da CICIG.

O sucesso popular que a comissão conquistou por afastar um político poderoso a partir de uma denúncia de corrupção levou à sua reprodução rápida na vizinhança.

Em fevereiro de 2016, foi instalada a “Misión de Apoyo Contra la Corrupción y la Impunidad en Honduras” (MACCIH). Em vez da ONU, está formalmente ligada a OEA, que tem sede em Washington.

Em 2015, protestos de massa contra corrupção aconteceram em Honduras em que manifestantes reivindicaram a criação de uma cópia da CICIG após desvios na Presidência Social serem ligados ao partido que ocupa a presidência.

Thomas Shannon, atual quarto nome na hierarquia do Departamento de Estado dos Estados Unidos, apoiou a iniciativa e declarou que espera a instalação de um órgão semelhante também em El Salvador (RENWICK, 2016).

Os Estados Unidos têm um interesse declarado em se aproximar de Guatemala, Honduras e El Salvador desde 2014. Naquele ano, mais de 50 mil pessoas, principalmente crianças, saíram dos três países para entrar sem documentos no território estadunidense, fugindo da crise econômica e das altas taxas de violência.

Para conter o movimento, Washington lançou a Aliança para a Prosperidade do Triângulo Norte naquele ano. Trata-se de um plano de investimentos de US$ 1 bilhão com os objetivos oficiais de estimular as três economias centro-americanas e fortalecer suas instituições públicas.

Segundo Alvarado (2016), a aliança promoverá a política mais geral do governo de Barack Obama para a América Central, tornada pública em um documento online da Casa Branca intitulado “U.S. Strategy for Engagement in Central America”.

Além de reduzir a corrupção em instituições públicas, suas metas incluem reforçar tratados de livre comércio, incentivar o setor privado da economia, fortalecer programas de cooperação com militares e policiais, conter movimentos migratórios e aumentar ligações de infraestrutura entre a América Central e a América do Norte.

Os objetivos dos Estados Unidos se tornam facilitados quando entram em funcionamento organismos como a CICIG e MACCIH, que são mantidas com financiamento internacional, conduzem investigações criminais contra atores políticos, podem vigiar empresários estrangeiros e têm poder para propor leis.

O enfraquecimento da Venezuela diante da queda do preço internacional de petróleo e a escolha do Brasil em privilegiar um projeto de integração sul-americano oferecem pouca opção regional à América Central para balancear os interesses estadunidenses.

De fora da América Latina, a China é quem oferece uma alternativa de apoio político. Na Nicarágua, uma empresa chinesa está construindo um canal bioceânico que abrirá um novo caminho para o trânsito mundial de navios de comércio e guerra e que será administrado pela companhia durante 100 anos.

Na Jamaica, outra empresa chinesa inaugurou, em 2016, uma estrada ligando o norte ao sul do país que gerenciará por 50 anos e estuda a possibilidade de construir um porto na ilha.

Tais projetos constrangem a hegemonia dos Estados Unidos e o incentivam a criar novos mecanismos de controle sobre os países da região.

Alegações de corrupção já haviam se revelado uma variável política importante em episódios recentes de derrubadas de governo no Leste Europeu, na Ásia Central e no Oriente Médio durante as “revoluções coloridas” e a “primavera árabe”.

Denúncias desse tipo têm a capacidade de ganhar extensa cobertura midiática, mudar índices de popularidade de governos e partidos, repercutir sobre campanhas eleitorais, produzir protestos de massa integrados essencialmente por setores da classe média e despertar desconfiança em relação a atividades gerenciadas pelo Estado.

A novidade que se vê surgir na América Central é a existência de instituições internacionais que podem produzir tais resultados permanentemente.

Referências

ALVAREDO, Jimmy. Diplomática con fogueo en Afganistán fue ratificada como embajadora de Estados Unidos en El Salvador.

Publicado em 17 de janeiro de 2016. Disponível em http://www.elfaro.net/es/201601/el_salvador/17831/Diplom%C3%A1tica-con-fogueo-en-Afganist%C3%A1n-fue-ratificada-como-embajadora-de-Estados-Unidos-en-El-Salvador.htm. Acesso em 16 de fevereiro de 2016.

LUHNOW, David. Guatemala outsources a corruption crackdown. Publicado em 11 de setembro de 2015. Disponível em http://www.wsj.com/articles/guatemala-outsources-a-corruption-crackdown-1442001944. Acesso em 20 de fevereiro de 2016.

MOLINA, Ana López. Jimmy Morales: la continuidad del proyecto militar en Guatemala. Publicado em 21 de janeiro de 2016. Disponível em http://www.nodal.am/2016/01/jimmy-morales-la-continuidad-del-proyecto-militar-en-guatemala-por-ana-lopez-molina-especial-para-nodal/. Acesso em 16 de fevereiro de 2016.

POCASANGRE, Henry. EE.UU. financia nueva sede de CICIG en Quetzaltenango. Publicado em 3 de março de 2016. Disponível em http://www.prensalibre.com/guatemala/justicia/estados-unidos-dona-xxxx-para-la-cicig. Acesso em 6 de março de 2016.

RENWICK, Danielle. Central America’s Violent Northern Triangle. Publicado em 19 de janeiro de 2016. Disponível em http://www.cfr.org/transnational-crime/central-americas-violent-northern-triangle/p37286. Disponível em 16 de fevereiro de 2016.

Diogo Ives, Mestrando em Ciência Política na UFRGS.

Pesquisador no Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE)

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