A operação Carro-Pipa, do governo federal, que leva água potável às famílias no semiárido nordestino há mais de 20 anos, teve os recursos cortados neste mês, levando os caminhões a pararem o fornecimento do produto a moradores do interior no Nordeste.
Segundo a planilha do Exército, que coordena a operação, 1,6 milhão de pessoas teriam direito ao abastecimento em novembro em oito estados do Nordeste, mas estão prejudicadas.
O corte de recursos ocorreu logo após o segundo turno da eleição, no dia 30 de outubro, em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) saiu derrotado.
O primeiro estado a ter o abastecimento suspenso, logo no início do mês, foi Alagoas. Já em Pernambuco, Paraíba e Bahia, a paralisação foi informada apenas na quinzena final de novembro, assim como vem ocorrendo nos demais estados, com os caminhões deixando de prestar o serviço à população.
A operação Carro-Pipa é financiada com recursos do Exército Brasileiro em parceria com o MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional).
Ambos confirmaram que a suspensão ocorreu por falta de verbas para continuidade. O MDR diz que alertou o Ministério da Economia sobre a falta de recursos, e não obteve retorno.
A reportagem teve acesso a um documento do 72º Batalhão de Infantaria Motorizado, com sede em Petrolina (PE), endereçado a Defesas Civis de municípios de Pernambuco e Bahia.
No documento do dia 14, assinado pelo coronel Paulo Francisco Matheus de Oliveira, o Exército informa que “o recebimento parcial de recursos financeiros para atender a execução do serviço será somente para até o dia 15 de novembro corrente”.
A suspensão, porém, pegou as Defesas Civis, pipeiros e moradores de surpresa.
Pela regra, cada família tem direito a 20 litros de água por dia a cada integrante assistido. Ou seja, se a casa tem cinco moradores, são 100 litros diários. Eles já relatam prejuízos.
Orlando Vieira da Silva, 54, vive no sítio Boa Esperança, em Ouricuri (PE), e exerce a função de apontador (liderança local que ajuda a coordenar distribuição da água) da operação na comunidade. Ele diz que, das 30 famílias que vivem lá, apenas quatro conseguiram receber água recentemente e 26 estão completamente desabastecidas.
“A região está precisando de água. Não sei por que, justo nesse período mais seco —que vai de setembro até janeiro—, parou. É muito ruim para nós”, lamentou.
Só em Pernambuco são 529 mil moradores de 105 cidades que estão aptos para receber água da operação. Em Ouricuri, são 19 mil pessoas atendidas, o maior número de beneficiários do estado.
Em tom emocionado, Silva faz um pedido de ajuda para que a situação seja revista urgentemente.
“Eu queria que o apelo chegasse ao governo e que eles vissem isso. A situação aqui está triste, as mães de família estão precisando de água, e nós não sabemos o que fazer. Eu queria pedir que as autoridades não deixar o povo com sede”, disse Orlando Vieira da Silva, sertanejo de Ouricuri (PE).
Em Poço das Trincheiras (AL), 6.800 famílias. O casal Adinézio Teotônio Soares, 70, e Marlene Luiz Soares, 68, mora no povoado Quandu e tem apelado para o uso de água não apropriada para o consumo.
“Estamos sem nada e pegando de uma cisterna da minha vizinha. A gente comprou água de uma barragem que tem aqui, mas não é muito boa. Coloquei pedras de cloro para limpar e consumir”, explica Adinézio.
“Aqui são umas 700 pessoas que precisam. Quase ninguém tem água na cisterna porque aqui é muito quente. Como as pessoas estavam acostumadas com o abastecimento, pensávamos que a água não ia terminar. As pessoas não souberam antes para economizar água”, diz Marlene Luiz Soares, de Poço das Trincheiras (AL).
A situação gerou uma procura de prefeitos do Nordeste à CNM (Confederação Nacional dos Municípios), que cobra uma solução.
Enquanto isso o povo sofre sem água e a morte ronda os municípios prejudicados pela maldade vingativa do “tinhoso”.
Edição cljornal