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Os ricos têm hospitais, testes, respiradores e UTIs, os pobres, sufocando sem atendimento, nega-se até o direito de saber de que morreu

Direito dos pobres na pandemia. Cova

A que ponto chegamos. Em meio a uma praga que diariamente fulmina milhares de vidas mundo afora, lemos, ouvimos, assistimos até pelo confinamento compulsório, supostos luminares preocupados com o que virá depois.

Uma pergunta: e o que está acontecendo agora?

É impressionante ver “especialistas” contabilizarem mortos “inevitáveis”.

Chegou-se ao cúmulo de uma assessora de Bolsonaro, Solange Vieira, registrar que os óbitos de agora são velhos em sua maioria e aliviam as contas da Previdência.

Assim informam os noticiários, embora ela agora tente desesperadamente desmentir.

Justiça seja feita, não se trata apenas do Brasil. Na maioria dos países dominados pelo grande capital, a grande preocupação é com o fim dos isolamentos, das quarentenas, com a reabertura do comércio, a reativação da indústria e a “retomada da economia”.

Mortos? E daí?

Detalhe: briga entre Moro e Bolsonaro, ambos walking deads, rusgas com o Supremo, Congresso, embates com governadores, claro, têm sua importância. Mas o que o povo quer e precisa saber é o seguinte:

Cadê o auxílio miserável de R$ 600 que 1 em cada três brasileiros ainda não recebeu?

Cadê os testes?

Cadê os leitos de UTI?

Cadê os respiradores?

Cadê a esperança?

Cadê?

Tantas perguntas sem respostas criam fogueiras de angústia e desassossego:

Quem vai morrer amanhã?

Qual parente ou amigo vou ver num caixão à distância?

E quando for comigo?

Com as pessoas que amo?

É uma vergonha.

Poucos dos endinheirados se importam com as mortes que se acumulam HOJE.

Em plena avenida Brasil, em São Paulo, o drive thru do chiquérrimo Laboratório Fleury tem fila de carros de luxo na porta.

Dentro deles, pessoas que fazem os testes para Covid-19: R$ 450 para saber se você está com o vírus agora; R$ 420 para saber se você já foi contaminado e, portanto, tem anticorpos para a doença.

Total: R$ 970 por cabeça.

Enquanto isso, os pobres morrem sufocados, afogando-se no seco, sem nem ao menos terem confirmada a causa de tanto sofrimento.

É por essas que a doença hoje está matando o povo mais carente na imensa maioria dos casos.

Porta-vozes dos tubarões do 1% mais rico da população nem enrubescem ao afirmar que, não fossem as favelas, a situação já estaria sob controle (Guilherme Benchimol, sócio do Itaú, criador da XP investimentos, o caça níqueis dos incautos, milionários lavadores de dinheiro e que tem como garoto propaganda gente como Luciano Huck).

Sei que prego no deserto dominado pela mídia oficial e seus comparsas. Mas a verdade tem que ser dita.

Os bilhões e bilhões de dólares nas mãos de uns poucos seriam mais do que suficientes para socorrer os milhões que hoje estão à míngua, sem direito a um tratamento digno.

Tem mais: a tecnologia high tech, capaz de tantas proezas, certamente tem condições de encontrar em tempo recorde uma vacina contra um vírus que não passa de uma sequência de outros que já surgiram.

Mas não. O que se observa é uma disputa entre laboratórios farmacêuticos poderosos para ver quem chega primeiro a um remédio ou a uma vacina eficaz para, assim, disparar nas bolsas de valores.

Pura especulação. Não há colaboração entre cientistas de ponta. Tampouco os grandes conglomerados multinacionais sentem-se obrigados a reorientar sua produção para equipamentos voltados a salvar as milhares de vida perdidas diariamente.

Estão mais preocupados em demitir e cortar salários sob o argumento de que “a economia parou”.

Agora, virou moda falar em “novo normal”. Uma estupidez à altura dos cínicos que engordam seus cofres à custa das vidas dos mais pobres e do sucateamento dos sistemas públicos de saúde promovido pelo neo-liberalismo atroz.

O que precisamos é inaugurar um tempo em que a solidariedade e o respeito aos desvalidos falem mais alto que a ganância desmedida imposta pelo capitalismo imperialista.

Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.

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