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Professora é ameaçada após massacre em creche: “Somos homens santos. Esse foi só o 2º do ano”

Professora ameaçada de ataque mortal

A professora universitária e ativista Lola Aronovich estuda e monitora há muitos anos grupos de incels e masculinistas no Brasil. Por denunciá-los constantemente, ela também se tornou o alvo preferido desses criminosos.

Nesta quarta-feira (5), horas após o massacre na creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau (SC), Lola recebeu novas ameaças por e-mail e compartilhou em seu Twitter.

“Estamos à frente do seu tempo. Você nunca irá acabar com os homens santos [sic] e todos nós iremos gozar de impunidade. Esse foi só o segundo já tramado por nós da TWG e em breve terá outro”, diz trecho da ameaça anônima.

Ainda no Twitter, Lola comentou que o mês de abril é especialmente perigoso. “Abril é perigoso porque massacres ‘famosos’, como o de Columbine e Realengo, foram cometidos neste mês.

Há grupos misóginos/neonazis que comemoram esses massacres e tentam recrutar jovens para cometer novas chacinas”, afirmou a professora universitária.

Não é a primeira vez que Lola é ameaçada logo após um massacre. Em 2021, um jovem de 18 anos invadiu uma creche em Saudades, também em Santa Catarina, e matou três bebês e duas mulheres com um facão. Naquela ocasião, a ativista recebeu e-mails com ameaças de morte e que citavam detalhes sobre o atentado.

A pesquisadora Letícia Oliveira é outra especialista na área. Ela estuda esses grupos há 11 anos e afirma que não é possível cravar que o autor do atentado em Blumenau (SC) é membro das comunidades extremistas.

“Estão circulando prints do autor do ataque que mostram que ele é bolsonarista, o que denota que ele é de extrema direita. Até aí, tudo ok. Mas no monitoramento que eu faço não encontrei nenhum indício de participação [dele] em subcomunidades de extrema direita ou células neonazistas”, diz Letícia.

“O assassino [de Blumenau] provavelmente agiu influenciado pelo ataque na Escola Thomazia Montoro [em SP]. Existe um processo que chama ‘efeito de imitação’ que ocorre após um ataque do tipo.

Por isso eu e outros especialistas estamos insistindo que não se publicize as imagens dos autores e dos massacres, porque isso é usado como propaganda por essas subculturas de extrema direita e servem de inspiração para que outros comentam”, acrescentou.

“O isolamento imposto pela pandemia da Covid-19 fez com que os jovens passassem mais tempo na internet, e isso, passada a emergência de saúde, contribuiu para o aumento de ataques violentos nas escolas em 2022.

Mas não foi só: o aumento do armamento da população nos últimos anos e a difusão de discursos extremistas no país, tudo isso alimentou o ódio desses jovens”, observa Letícia.

‘Incels’
O perfil majoritário dos jovens cooptados por grupos extremistas na internet é de meninos, brancos e heterossexuais, na maioria das vezes com dificuldades de socialização.

A expressão ‘incel’ vem da junção das palavras “involuntary celibates” e descreve homens jovens que se definem como “celibatários involuntários”. São jovens e adolescentes que sofreram rejeição ou tiveram encontros ruins com mulheres e, para escapar da solidão, foram parar em fóruns privados em aplicativos como Discord e Telegram.

O que encontram nesses fóruns são um grupo de homens cheios de raiva fortalecendo a ideia de que eles perderam a “loteria genética” e não há nada que possam fazer a respeito.

“Esses grupos normalmente cooptam jovens com discurso misógino, eles mobilizam as frustrações dos adolescentes, que muitas vezes têm ou tiveram problemas amorosos.

Esse menino entra num grupo porque ‘tomou um fora’ e recebe acolhimento. Ali ele tem contato com discursos que incentivam o ódio contra mulheres, e partem para o racismo, para a revolta contra outras minorias, são mobilizados pelo medo e pela raiva. Com esse discurso martelado na cabeça, acaba se radicalizando. É um ciclo vicioso”, observa Letícia.

Creche em Blumenau
Um homem de 25 anos matou 4 crianças em uma creche na cidade de Blumenau (SC). Ele parou uma monto em frente à unidade de ensino e pulou o muro. O agressor exaltava nas redes sociais o ex-presidente Jair Bolsonaro e o falecido escritor Olavo de Carvalho.

No momento do ataque, cerca de 40 crianças estavam na creche. Dos cinco feridos, quatro foram levados ao Hospital Santo Antônio: duas meninas de 5 anos, um menino também de 5, e outro menino de 3.

O estado de saúde das crianças é estável, segundo o hospital. Elas ficarão em observação por pelo menos 24h.

Na manhã de hoje, poucas horas antes do ataque, o criminoso publicou no Facebook uma mensagem de agradecimento a um policial, que ele cita como o ‘coordenador’ do atentado. “Policial ******** que comandou o ataque, resistência manda um salve!”.

A Polícia Civil informou que irá extrair dados de computadores e celulares do autor do ataque. O objetivo é verificar se houve participação direta ou indireta de outras pessoas no atentado.

Uma professora da creche trancou os bebês dentro do banheiro no momento do ataque e impediu que a tragédia fosse ainda maior. Simone Camargo disse que não sabe de “onde vai tirar forças” para continuar a trabalhar.

“Eu já me questionei hoje [se penso em voltar a trabalhar], mas não sei dizer. Eu entrei na direção, mas não no parque [local do massacre]. No parque não dá ainda”.

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