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EIS AQUI O HOMEM

Pregação

Então Pilatos saiu outra vez fora, e disse-lhes: Eis aqui vo-lo trago fora, para que saibais que não acho nele crime algum. Saiu, pois, Jesus fora, levando a coroa de espinhos e roupa de púrpura. E disse-lhes Pilatos: Eis aqui o homem.

O que é o passado?
O passado poder ser o que quisermos que ele seja, sob o manto da nostalgia. Mas existe um passado que é comum a todos que vivem sob a influência da colonização, aí esse passado é eurocêntrico e cristão.

Esse passado pode ser investigado, lido em livros, estudado por historiadores diligentes que organizam suas peças de acordo com o tempo de seus estudos requerem.

Esse passado é imutável e imune a questionamentos mais profundos. Tudo que está escrito, é passível de ser defendido como verdadeiro.

Um livro leva ao outro e assim por diante, cada um repetindo o essencial e alterando o superficial. A estrutura esta protegida pelo pecado imperdoável do anacronismo, que é o jeito de ler esse passado sem respeitar aqueles que o descreveram.

Esse passado colonial é dividido em quadripartismos. A idade antiga, a idade média, a idade moderna e a idade contemporânea. Tudo aí, evoluindo de um tempo para o próximo num sentido determinado e irrevogável.

Para empurrar esse passado na direção da dúvida necessária, quero questionar a construção da memória como sendo um artifício colonial e que mantém a colonização como ocupação da racionalidade, ativa.

O livro de Michael Moorcock, Behold the Man (1969), traz uma sinopse instigante para refletir sobre esse passado.

Karl Glogauer é um homem dos nossos tempos. Quando o destino lhe oferece a possibilidade de viajar no tempo, ele não tem dúvidas quanto ao lugar e à época que quer visitar: a Terra Santa no tempo de Jesus.

Mas o que poderia ser uma viagem turística à morte do Messias e ao nascimento da maior religião do mundo revela-se uma desilusão: Maria é a libertina da aldeia, José um velho amargo e Jesus Cristo apenas um deficiente mental.

Devotado ao ideal de um Jesus real e histórico, Karl acredita que tem de fazer alguma coisa. Reunindo seguidores, repetindo parábolas que consegue recordar e usando truques psicológicos para simular milagres, Karl toma o lugar do Messias. Mas fará sentido um Messias que, no final, não morra na cruz?

Michael Moorcock é um escritor do coração do império. E não há nada que o desabone, pois é crítico de certos vínculos coloniais em seus escritos.

E escreveu essa obra que pode ser analisada pela perspectiva do anacronismo, essa invenção do império para encerrar o passado no ponto da história contada. E a história contada não está aberta.

Ter a mente colonizada implica em estar fechado para qualquer outra possibilidade. E o passado é um lugar sem mistérios para a razão ocidental.

O personagem do livro de Moorcok encontra um jeito de ir ao tempo de Jesus com uma máquina do tempo de renascimento. Um ovo com a gema viajando no tempo evoca esse renascimento. E lá podemos encontrar ele com um passado que não estava na conta.

Um cristo corcunda, uma maria prostituta, um José violento e nada de seguidores, de crucificação, de cristianismo enfim.

Mas ele precisa fazer cumprir a verdade colonial e não lhe resta outra alternativa senão transformar-se no crucificado.

Essa percepção de um passado bloqueado e que mesmo diante de sua inaceitável diferença precisa reconhecer apenas o que a razão diz, a sua verdade, revela todo o poder da racionalidade e da colonização.

Toda a obra Operação Cavalo de Troia (1987), de J.J. Benitez é a expressão literal da história cristã em forma de romance. Uma viagem ao passado para constatar a verdade da história.

A obra mescla temas bíblicos (a vida de Jesus) com ficção-científica (a viagem no tempo) e mostram “dossiês” que narram uma missão da Força Aérea dos Estados Unidos na qual um módulo chamado “O Berço” é levado ao passado com o propósito de comprovar a existência de Jesus Cristo.

A missão é chamada de “Operação Cavalo de Troia” e, como é costumeiro nas operações das forças militares norte-americanas, não são revelados grandes pormenores dos métodos de física utilizados para a reversão, nada é mencionado, além de “novos conceitos da física quântica vindos da Europa”.

Conceitos, obviamente, também sigilosos.
Um major, de nome não revelado, e um piloto voltam no tempo até os anos 30 da era cristã e presenciam muitos fatos narrados na Bíblia cristã.

Na verdade, a Bíblia é tomada como referência, uma vez que contém as datas e eventos da época. Fornecem, também, dados da sociedade da época: costumes, leis (principalmente as leis do judaísmo), crenças (judaicas e pagãs, geografia, ambiente, etc).

O major, que durante a viagem adota o nome de Jasão, é escolhido para a operação por seu ceticismo e imparcialidade, mas quando encontra Jesus, é tocado profundamente por sua mensagem e a narrativa ganha um tom delicado e humano.

Eduardo Bonzatto

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