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Seis vezes em que a PGR de Augusto Aras blindou Bolsonaro e aliados

Aras, se deixar ele beija

“Fiel escudeiro” do presidente Jair Bolsonaro (PL) e “fiador do governo” foram alguns dos adjetivos que circularam nas redes sociais, nesta sexta-feira (18), para se referir ao procurador-geral da República, Augusto Aras.

O jurista solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento do inquérito contra Bolsonaro que apura o vazamento de dados de uma investigação envolvendo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Na quarta-feira (16), o chefe do Ministério Público Federal já tinha sido chamado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede), em entrevista à CNN Brasil, de “pizzaiolo”:

“A CPI não acabou em pizza. Quem é o pizzaiolo e está confeccionando a pizza, o endereço é na PGR. É lá que está o forno da pizza preparado”.

O senador respondia a críticas do PGR, também em entrevista à CNN Brasil, acerca da CPI da Covid. Aras disse que a comissão não produziu provas e foram enviadas à Procuradoria informações “desconexas e desorganizadas”.

Informações sigilosas

Em 4 agosto de 2021, o presidente divulgou, durante uma transmissão ao vivo em sua página no Facebook, a íntegra de um inquérito da Polícia Federal (PF) que apura supostas invasões a sistemas e bancos de dados do TSE em 2018, para tentar deslegitimar o sistema de votação em urna eletrônica.

Diferente do que defendeu Bolsonaro, o suposto ataque não representou qualquer risco às eleições daquele ano.

Para o procurador, o relatório da PF não segue os preceitos constitucionais que dispõem sobre o sigilo das investigações policiais. Aras também disse que o inquérito não estava sob segredo de Justiça e não tramitava reservadamente dentro da PF.

“Aras, fiel escudeiro da filosofia bolsonarista (que põe até cartão corporativo em sigilo), costuma dar sigilo a atos preliminares, pedidos ao STF sobre CPI etc. Mas não vê crime no ato de Bolsonaro em divulgar informações sigilosas sobre o TSE, por quê?”.

Qestionou, em seu perfil no Twitter, o professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Conrado Hubner, que também é coordenador do grupo de pesquisa Constituição, Política e Instituições.

Esta não é a primeira vez que Procuradoria-Geral da República recebe o atributo de “fiador” do governo, do presidente e seus aliados.

Segundo Tânia de Oliveira, integrante da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), “Aras não fez nenhuma abertura de inquérito para investigar o Bolsonaro até hoje. O que ele fez são os procedimentos prévios, como ele fez com o material da CPI.

Ele fez isso algumas vezes para na frente pedir o arquivamento [da investigação prévia] dizendo que não encontrou alguma coisa”, sem necessidade de abertura de inquérito.

Ataques ao TSE por meio da TV Brasil

Em agosto do ano passado, Aras se manifestou contrário a uma petição protocolada no STF por um grupo de parlamentares contra Bolsonaro.

A ação solicitava a investigação do presidente depois que este se utilizou da TV Brasil, um veículo estatal, para apresentar supostas provas de fraudes no sistema eleitoral brasileiro, em 29 de julho do mesmo ano.

No mesmo documento enviado à ministra Cármen Lúcia, o procurador afirmou que já existia uma apuração para investigar se houve crime nas falas do presidente em relação ao sistema eleitoral. Portanto, não havia necessidade de outra investigação na mesma linha.

Aras afirma que a “depender da robustez dos elementos obtidos por meio dessas diligências, cabe ao órgão ministerial, então, discernir em torno de oferecimento de denúncia, de dedução de pedido de instauração de inquérito ou ainda de arquivamento, comunicando-se, oportunamente, ao respectivo relator”.

Atos antidemocráticos

Em 4 de junho do ano passado, a PGR, desta vez na figura do vice-procurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros, solicitou ao STF o arquivamento da investigação contra 11 deputados aliados a Jair Bolsonaro por participação em atos antidemocráticos, que tramita nas mãos do ministro Alexandre de Moraes.

Os aliados do capitão reformado participaram da organização de manifestações que pediram o fechamento do Congresso Nacional e do STF e a publicação de um decreto similar ao Ato Institucional nº5 (AI-5), uma das normativas mais repressivas da ditadura militar brasileira.

O pedido para investigar possível violação da Lei de Segurança Nacional por “atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF” foi feito pelo procurador Augusto Aras.

Mas, poucos meses depois que a PGR pediu pelo arquivamento e justificou que a atuação da Polícia Federal perdeu o objetivo da investigação, que deveria recair apenas em cima dos financiadores dos atores antidemocráticos.

“Ao final, sem que nenhuma das formulações anteriores tenha sido corroborada ou afastada, a apuração toma um rumo completamente diferente: identificar ‘agentes públicos’ responsáveis por obter ‘vantagens político-partidárias’, igualmente não especificadas, por meio da ‘produção e da difusão de propaganda, em manifestações ou em meios de comunicação’”, diz a peça assinada por Jacques.

Ainda segundo a PGR, faltou “foco e objetividade à autoridade policial na construção das hipóteses criminais, tornando-as de difícil compreensão para as equipes envolvidas com o inquérito”.

Também afirmou que houve a “inserção considerável de quantidade de pessoas politicamente expostas” nas apurações.

“Esse inadequado direcionamento da investigação impediu a identificação de lacunas e dos meios necessários, adequados e proporcionais para alcançar a sua finalidade, impossibilitou a delimitação do problema, e fez com que as ações e as diligências de toda a equipe policial se afastassem do escopo das buscas e apreensões.”

Medidas sanitárias

Aras também arquivou todos os pedidos de investigação contra Bolsonaro referentes a sua atuação pessoal e do governo federal durante a pandemia de covid-19, envolvendo perigo para a vida ou saúde, violação de medidas sanitárias preventivas, emprego irregular de recursos públicos e prevaricação.

Ainda em 2020, Aras arquivou um pedido de subprocuradores para obrigar Bolsonaro a seguir recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). O procurador, no entanto, afirmou que a solicitação não tinha “cabimento” e que os integrantes do Ministério Público Federal deveriam ficar afastados “de disputas partidárias internas e externas”.

“Memorando subscrito por cinco subprocuradores-gerais da República, coordenadores das 2ª, 4ª, 6ª e 7ª CCRs e PFDC do Ministério Público Federal, foi recebido ontem no Gabinete do PGR, somente após ampla divulgação do seu conteúdo na imprensa nacional, tornando-se fato público e notório e, por isso, inócuo o seu objetivo, uma vez que alcançada a finalidade de manifestar preocupação pessoal com políticas de governo.

Assim, foi arquivado nesta tarde, sobretudo pelo não cabimento da sugerida recomendação, que pressupõe a existência de instrumentos legais para a efetivação do seu teor, na hipótese de negativa por parte da autoridade representada”, justificou Aras.

“Os chefes dos Poderes Executivos em todas as esferas (federal, estadual e municipal) detêm liberdade de expressão para se posicionar sobre assuntos considerados relevantes para a sociedade, e não subordinam suas opiniões a organismos externos, principalmente considerada a dinâmica do avanço da epidemia de doença nova, que obriga a revisão de protocolos médicos com frequência, bem como a revisão de orientações gerais à população”, completou Aras.

Interferência na Polícia Federal

O procurador também foi contra a divulgação da íntegra do vídeo da fatídica reunião ministerial do dia 22 de abril de 2021. Solicitada uma manifestação do PGR pelo Celso de Mello, do STF, Aras defendeu apenas a degravação somente dos trechos relacionados à possível interferência do de Bolsonaro na PF.

Para o procurador, a divulgação de todo o conteúdo poderia gerar, naquela época, elementos para um palanque eleitoral.

Segundo as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro (Podemos), a partir do segundo semestre de 2019, o presidente Bolsonaro passou a insistir na troca do comando da PF.

Inicialmente, o superintendente do Rio de Janeiro, Ricardo Saadi foi substituído pelo então superintendente da Polícia Federal em Pernambuco, Carlos Henrique Oliveira Sousa.

Saadi estava em cima das investigações sobre o “caso Queiroz”. “Sinceramente não havia nenhum motivo para essa mudança”, afirmou Moro no pronunciamento.

Segundo o magistrado, “haveria intenção de trocar superintendentes, novamente o do Rio, outros provavelmente viriam em seguida como o de Pernambuco, sem que fosse me apresentado uma razão para realizar esses tipos de substituições que fossem aceitáveis”.

Diante da insistência em trocar o diretor-geral da PF, Moro conversou com Bolsonaro um dia antes de anunciar a sua demissão: “Falei que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo.”

Apreensão do celular de Bolsonaro

Em maio de 2020, o procurador se manifestou contra a apreensão do celular do presidente Bolsonaro no STF.

A solicitação havia sido feita por meio de uma notícia-crime apresentadas pelos partidos políticos PDT, PSB e PV, no âmbito da investigação que apurava a suposta interferência na PF.

Naquela época, Aras afirmou que cabe à PGR instaurar diligências contra o presidente perante o STF, não às legendas partidárias.

“Quanto às diligências requeridas pelos noticiantes, como sabido, a legislação processual não contempla a legitimação de terceiros para a postulação de medidas apuratórias sujeitas a reserva de jurisdição, relativas a supostos crimes de ação penal pública”, afirma a manifestação.

“Cabe ao procurador-geral da República o pedido de abertura de inquérito, bem como a indicação das diligências investigativas, sem prejuízo do acompanhamento de todo o seu trâmite por todos os cidadãos.”

O outro lado

Em 26 de janeiro deste ano, Augusto Aras criticou as conclusões do relatório “Retrospectiva 2021”, da ONG Transparência Internacional, que apontou para um “alinhamento sistemático” da PGR com o governo Bolsonaro, divulgado um dia antes.

Segundo o documento, há um “alinhamento sistemático da PGR com o governo Bolsonaro, com retração sem precedentes na função de controle constitucional dos atos do governo e desmobilização do enfrentamento à macro corrupção”.

“O alinhamento injustificado da PGR com o governo de Bolsonaro, e a consequente neutralização de um eixo legal para a responsabilização do presidente, aumenta a pressão sobre o sistema brasileiro de freios e contrapesos, já prejudicado, em seu eixo político, pela associação da Presidência com a liderança da Câmara dos Deputados e o esquema de ‘orçamento secreto’”, diz o relatório.

Em nota à imprensa, o procurador negou o alinhamento e afirmou que o documento “repete informações e ilações apresentadas pela ONG na edição passada do relatório”.

Aras ainda disse que “respeita a Constituição, as leis, o devido processo legal e não pratica a exploração midiática de casos em apuração”.

“O procurador-geral repudia essa nova tentativa irresponsável da ONG de atribuir a ele um resultado que apresenta alto grau de subjetividade, visto que trata de percepção, e reitera o compromisso de respeito às leis e ao devido processo legal no exercício do mandato que é de natureza jurídica, e não de viés político”, afirmou.

“Insistir em argumentos ultrapassados e que sabidamente não encontram lastro na realidade revela-se um desserviço à população e, no caso específico, pode esconder um desvirtuamento do trabalho de entidade que traz, no próprio nome, o que deveria ser um compromisso: a transparência”, afirmou o procurador-geral.

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