Eram cartazes que se abstiveram do português simplório, estampados na elegante avenida Paulista e grafados de modo adequado à precocupação “o mundo está de olho no que está acontecendo aqui”. Só que não.
Foi um programa de domingo apenas. Sentados nas mesas dos bares, grupos aplaudiam e riam muito cada vez que o grito “Lula cachaceiro, devolve meu dinheiro” era ouvido.
Em todas as mesas havia cerveja.
Ronaldo Caiado e Bolsonaro curtiam seus momentos celebridade e posavam para selfies. Selfies, aliás, permanecem como característica primordial daquele gênero de manifestante.
Selfie com o cachorrinho vestido de verde e amarelo, selfie com a gloriosa PM, selfie com a família linda loira e bem vestida, selfie até consigo mesmo, quem diria.
Mas vamos ao que interessa. Diante de um grupo muito exaltado que apitava ensurdecedoramente.
Nisso abordei Sandro Martin, advogado:
– Por que está aqui hoje?
“Já chega. Fora Dilma, fora PT, aqui não tem partido, aqui é o povo.”
– Então é a favor do impeachment?
“Olha, não sei se é impeachment, mas alguma coisa deve ser feita. Dilma tem que sair, o PT tem que sair. Se através de impeachment não sei.”
– Você acha que a corrupção é o maior mal do país hoje?
“É o maior mal do país.”
– Você já ouviu falar na Operação Zelotes?
“Não.”
Fim de papo. End of history como diria my friend Ed.
Seria exagero dizer que a micareta micou, mas a redução do número de participantes foi drástica.
A própria PM divulgou um número 70% menor do que a manifestação do dia 15 de março (o pico foi atingido entre às 16:00 e 16:30 quando estimo que tenha atingido quase a metade da anterior).
Uma dezena de caminhões de som de diferentes grupos espalhados ao longo de toda a avenida reunia grupos esparsos. Uma versão pocket e intimista.
Todos eles invariavelmente tocam “Que país é esse?” da Legião Urbana pelo menos umas 20 vezes cada um.
Em cima do Quero Me Defender, Claudio Penteado lista a pauta de 3 reivindicações: redução do número de ministérios excluindo por exemplo o de Combate à Fome (coerente, não vi ninguém que demonstrasse alguma privação nesse sentido).
Investigação no BNDES que segundo ele deveria estar fazendo investimentos no Brasil e não construindo portos como ‘a porcaria do porto de Mariel na Venezuela’ (este porto fica em Cuba); declaração oficial do ‘governo bolivariano da presidente Dilma’ a respeito da Venezuela.
Entendeu? Confiante, Penteado gritava: “Nós os elegemos e nós os tiraremos, sim.”
Sobre o caminhão do Movimento Civil XV de Março, Romeu Tuma Junior discursava para algo como umas 100 pessoas.
“Eu conheço esse sistema, conheço esse pessoal. Precisamos mudar o país e tirar essa raça de bandidos do poder. A presidente instalou no Brasil um parlamentarismo branco. Ela assumiu o estado e jogou para o Michel Temer o governo para se descolar dos problemas de corrupção.” Aplausos e urros.
A maior concentração se dá em frente ao bloco do Vem Pra Rua. Discursos contra as ciclovias, mantras como ‘a nossa bandeira jamais será vermelha’, jorros de ‘fora Dilma’.
Pautas conservadoras e nenhum envolvimento político de fato. Ou entre uma passeata e outra você acredita que alguém ali foi a uma assembleia aberta, participar ativamente de programa de mudança popular, vai ao conselho municipal, comparece a audiências públicas na Câmara dos Deputados?
Política se faz todo dia. Passear na avenida de vez em quando é prestar-se a um papel de marionete.
Antes de se transmutar em entendedor de vinhos, Ed Motta já foi capaz de frases boas nas letras de suas músicas:
“O mundo é fabuloso, ser humano é que não é legal”, escreveu ele, assim em português mesmo.
Fonte: Mauro Donato