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DELAÇÃO VIROU CHAVE DE SAÍDA DA CADEIA

O advogado criminal Antonio Cláudio Mariz de Oliveira escreve, neste sábado (20), em artigo para o Estadão, que o real significado da delação premiada está ligado “ao aprisionamento sem culpa e a uma distorcida ideia de Justiça, e não ao escopo declarado em lei, qual seja o de constituir um instrumento para o esclarecimento da verdade real sobre o crime e seus autores”.

Para ele, “o acusado preso sofre um rebaixamento no seu senso ético e moral, sendo atingidas as noções do certo e do errado, do justo e do injusto, do bem e do mal”. “Fragilizado, o colaborador fica sujeito a qualquer tipo de estímulo para ver minimizado o sofrimento imposto pela sua estada no cárcere. E atualmente a delação premiada, incentivada pelas autoridades, se apresenta como o mais viável meio de alcance da liberdade”, explica.

De acordo com Mariz, “a voluntariedade, segundo requisito da legitimidade da colaboração, tem sido escandalosamente desrespeitada, com a complacência da mídia, da sociedade e – o que é mais grave – de autoridades ligadas à distribuição da Justiça Penal”.

Abaixo o texto na íntegra:

Delação, chave de entrada e chave de saída da cadeia

O título deste texto, que também poderia denominar-se Traição a serviço da ‘Justiça’, reflete, alegoricamente, o real significado da delação premiada, um instituto ligado, na verdade, ao aprisionamento sem culpa e a uma distorcida ideia de Justiça, e não ao escopo declarado em lei, qual seja o de constituir um instrumento para o esclarecimento da verdade real sobre o crime e seus autores. A primeira objeção a ser posta diante do instituto da delação premiada se refere à insegurança jurídica que é por ele gerada.

O acusado preso sofre um rebaixamento no seu senso ético e moral, sendo atingidas as noções do certo e do errado, do justo e do injusto, do bem e do mal. Fragilizado, o colaborador fica sujeito a qualquer tipo de estímulo para ver minimizado o sofrimento imposto pela sua estada no cárcere. E atualmente a delação premiada, incentivada pelas autoridades, se apresenta como o mais viável meio de alcance da liberdade.

O encarcerado, com apoio na verdade ou falseando-a, passa a acusar companheiros de empreitada criminosa e a narrar situações ilícitas até então desconhecidas. É obvio que a sua conduta não é inspirada por motivos ligados ao civismo, à cidadania, ao interesse público ou a quaisquer outros nobres sentimentos. Seu interesse imediato é alcançar a liberdade, bem como benefícios outros que vão desde o perdão judicial até a diminuição da pena e o menor rigor em seu cumprimento.

Lembre-se de que, em face desses motivos meramente utilitários, egoísticos, a delação poderá atingir pessoas inocentes ou mesmo aquelas que, embora participantes do crime, tenham uma responsabilidade menor do que a apontada. Lamentavelmente, este injustificável efeito da colaboração premiada vem ocorrendo nos nossos dias e provoca evidente insegurança jurídica no que diz respeito à justiça penal.

De acordo com a Lei n.º 12.850/13, sobre organização criminosa, que editou normas específicas e mais abrangentes a respeito de colaboração, existem duas condicionantes para que a colaboração tenha validade jurídica: a efetividade das denúncias e a voluntariedade na opção do delator. Quanto à efetividade, o legislador pretende que o conteúdo da delação produza efeitos concretos para que o crime, os seus outros autores e as suas demais circunstâncias possam ser esclarecidos. Cabe, acerca deste aspecto, uma advertência: a efetividade da colaboração não pode ser avaliada apenas sob o prisma do seu conteúdo, mas é necessária a comprovação da sua veracidade, sem o que não haverá efetividade e legitimidade da própria função jurisdicional, pois não há Justiça Penal sem verdade.

A voluntariedade, segundo requisito da legitimidade da colaboração, tem sido escandalosamente desrespeitada, com a complacência da mídia, da sociedade e – o que é mais grave – de autoridades ligadas à distribuição da Justiça Penal. A partir da denominada Operação Lava Jato, as prisões preventivas passaram a ser decretadas para obrigar o acusado a delatar para obter a liberdade. Assim, prende-se para delatar e se solta porque se delatou.

Note-se que o escopo exclusivo da prisão é rigorosamente a delação. A custódia é decretada sem o exame de sua necessidade. Deve ser realçado, ainda, que a necessidade constitui requisito fundamental para que a prisão antecipada se legitime perante a Constituição federal, em face do princípio da presunção de inocência, que proíbe a aplicação de pena até o trânsito em julgado da decisão respectiva, salvo em casos excepcionais de comprovada necessidade.

Leonardo Attchu

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