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Marinha do Brasil poderá patrulhar mares do golfo da Guiné.

Comandante do Grupo-Tarefa da Operação "GUINEX-III" (ao centro) e diplomatas estrangeiros a bordo da Fragata "Liberal"

Visita da Marinha brasileira ao Senegal pode sinalizar disposição do Brasil em realizar patrulhas marítimas contra a pirataria no golfo da Guiné. A Marinha tem condições de assumir essa missão e como a pirataria na África pode afetar os interesses nacionais brasileiros.

Fragata da Marinha brasileira realizou visita ao porto de Daca, no Senegal, com o intuito de retomar a diplomacia naval com países africanos da costa do Atlântico. A visita foi realizada no âmbito da Operação “Guinex-III” e contou com a presença de autoridades militares e diplomáticas de países sul-americanos e africanos.

A presença da Marinha brasileira na costa atlântica da África é considerada relevante para garantir a segurança das rotas comerciais brasileiras, de riquezas nacionais como as reservas de petróleo do pré-sal e mitigar a presença militar estrangeira no Atlântico Sul.

No entanto, é o aumento da atividade de pirataria na região do golfo da Guiné, região do Atlântico Sul que banha países como Benin, Nigéria, Camarões e Guiné Equatorial, gera preocupação entre autoridades brasileiras.

A pirataria na área chegou inclusive a superar a atividade na região da Somália, considerada uma das mais perigosas do mundo. Os incidentes podem comprometer a segurança das linhas de comunicação marítimas brasileiras, gerando inclusive prejuízos econômicos ao Brasil, cuja economia depende do comércio internacional.

Os ilícitos marítimos no golfo da Guiné não se restringem a pirataria, mas também incluem a pesca ilegal, que contribui para esgotar recursos pesqueiros locais e deteriorar o equilíbrio ecológico da região.

A insegurança marítima no golfo da Guiné está inclusive na pauta do Conselho de Segurança da ONU, que a partir do dia 1º de outubro passará a ser presidido pelo Brasil.

Por ação deste órgão da ONU, foi aprovado o Código de Conduta naval de Yaoundé, que propõe medidas para mitigar a pirataria na área. O Brasil é membro do Grupo de Amigos do golfo da Guiné (FOGG, na sigla em inglês), que busca auxiliar os países da região a implementar o acordo de Yaoundé.

Para o pesquisador em Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jonuel Gonçalves, a visita da Marinha ao Senegal pode ser considerado um primeiro passo para manifestar a prontidão brasileira a colaborar com a segurança marítima do golfo da Guiné.

“Os países limítrofes ao golfo da Guiné se preocupam com a questão da pirataria e devem se preparar para operações similares as que a União Europeia fez na Somália, não excluída a hipótese de que a Marinha do Brasil seja chamada para patrulhar o golfo”, disse Gonçalves.

Segundo ele, a Marinha brasileira tem boa imagem e seria considerada uma força estrangeira confiável pelos seus parceiros africanos.

“O Brasil é visto como um aliado seguro e poderia contar com uma boa retaguarda em seus patrulhamentos, que é o porto de Dacar, no Senegal”, explicou Gonçalves.

“Esse tipo de convite poderia ser feito sem a intermediação de organizações internacionais, como a ONU. Uma possibilidade seria a CEDEAO [Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental], que conta com grande influência da Nigéria, decidir por acionar marinhas de fora da área para realizar patrulhas.”

O fortalecimento do papel do Brasil na área viria em um momento de consideráveis mudanças geopolíticas no Norte da África, palco de revoluções, golpes de Estado e mudanças de regime que desafiam a presença de ex-potências colonizadoras, como a França e o Reino Unido, na região.

“Uma eventual patrulha da Marinha brasileira precisaria considerar a reação de países como França e Reino Unido, que sempre mantém fragatas baseadas na área, no porto de Abidjan e no porto de Gana, respectivamente”, lembrou Gonçalves.

Para ele, o contexto atual favorece a projeção de poder político e econômico brasileiro, em meio aos esforços do Itamaraty de recuperar o protagonismo do país no exterior.

Apesar das intenções do governo em engajar a Marinha em patrulhamento no exterior, não está claro se a força detém os meios necessários para essa empreitada, alertou o analista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil, Robinson Farinazzo.

“A Marinha não cria este tipo de agenda, ela vem da Presidência, do Itamaraty e demais instituições que determinam os rumos da política externa brasileira.

Cabe à Marinha cumprir a missão. Mas não adianta dar uma missão dessa envergadura para a marinha do Brasil e não atrelar recursos”, disse Farinazzo.

Segundo ele, o “patrulhamento permanente no golfo da Guiné realmente necessitaria a mobilização de mais de um navio, com helicópteros, sensores e suíte de armamentos em condições de operar.”

“A África, América do Sul e Atlântico Sul são os destinos naturais do Brasil, com todos os problemas e soluções que essas regiões apresentam.

Mas ser potência não é só destino, é vontade também”, notou o oficial da reserva da Marinha.

Os investimentos de recursos em uma reaproximação marítima com o continente africano trariam retorno ao Brasil, que ganharia tanto acesso a um mercado emergente, quanto o fortalecimento de suas Forças Armadas.

“Essa aproximação é natural e saudável, já que a África é uma nova fronteira econômica e um mercado extremamente promissor para o Brasil”, apontou Farinazzo.

“Esses países também serão fundamentais para garantir apoio às pretensões internacionais do Brasil, especialmente nas Nações Unidas.”

Com ou sem a missão de patrulhamento no golfo da Guiné, a Marinha brasileira continuará exercendo seu papel de “Itamaraty flutuante” e auxiliando o Brasil a navegar o turbulento período de transição geopolítica atual, acredita Farinazzo.

“O momento é de fragmentação geopolítica e mudanças estruturais, inclusive no continente africano. A única coisa que podemos prever com um certo grau de certeza é que não ficará pedra sobre pedra”, concluiu o oficial da reserva.

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